Jonathan Jones
Doutorando em Ciências do Comportamento, mestre em Psicologia Social, comunicólogo e publicitário. Pesquisador no Influência
Fabio Iglesias
Doutor em Psicologia, Professor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho, na Universidade de Brasília, onde coordena o Influência
A parceria entre ciência e segurança pública gerou uma história retumbante de sucesso. Diversos procedimentos investigativos saíram de artigos científicos e laboratórios universitários, nas mais variadas áreas, diretamente para o dia a dia dos agentes. A psicologia, por exemplo, tem espaço cativo nas forças policiais mais competentes do planeta, “decifrando” a mente dos criminosos e levando ao delineamento de estratégias que assegurem o cumprimento da lei. A literatura científica disponível sugere, por exemplo, que o processo de criar e manter hábitos deve pautar-se em certos pontos-chave. No contexto do combate ao tráfico de pessoas, esse arcabouço empírico pode ser sumarizado na seguinte estratégia: as vítimas precisam saber que a ajuda existe – e que está a pronto alcance.
Assim, primeiramente, é necessário comunicar – e aqui, do começo ao fim, achados e insights das ciências comportamentais podem nos guiar rumo ao jeito mais assertivo de conseguir isso. No tráfico de pessoas, uma campanha triunfante deve partir do pressuposto de que procurar ajuda envolve mudança em dois níveis: na cabeça das pessoas e em seus atos. Isso porque as pesquisas sobre o tema sugerem que vítimas de crimes como esses sequer se enxergam dessa maneira! Um programa de mudança de comportamento deve, portanto, começar daí: as pessoas precisam reconhecer seu status de vítima, identificando quais os sinais desse crime. Pode parecer contra-intuitivo, mas, ao se ver dentro de um cenário extremamente intenso como esse, é comum perder-se na sua complexidade emocional. É por isso que compreender a forma como pensamos pode ser genuinamente valioso.
A psicologia social é a disciplina científica que estuda táticas de influência – acumulando aproximadamente cem anos de conhecimento rigoroso, e com diversos conselhos para dar. A primeira dica, consequentemente, envolve impedir que certos erros simples aconteçam. É preciso, por exemplo, tomar cuidado com o que os pesquisadores chamam de “prova social” – o uso de dados sobre a quantidade de pessoas realizando um determinado comportamento. Divulgar a porcentagem de vítimas de um certo crime pode acabar constituindo um verdadeiro tiro no pé, tornando “natural” a atividade criminosa – e, como efeito colateral, impulsionando sua ocorrência! Sim, é totalmente possível estimular um crime ao tentar preveni-lo!
Obviamente, os anúncios devem também frisar o quanto é fácil, rápido e seguro buscar ajuda. Telefone, endereço eletrônico na Internet e locais de assistência devem ser reconhecidos em um relance. Lembre-se: para ocorrer, o comportamento precisa ser incentivado e facilitado. Além disso, é mais inteligente (em termos de recursos) que as mensagens sejam direcionadas para grupos que se encaixem no perfil típico das vítimas, preferencialmente em áreas de maior risco – ambientes de trânsito frequente de viajantes, como aeroportos, fronteiras e pontos turísticos. Melhor ainda se a ajuda puder ir até a vítima (postos policiais e patrulhamento especializado nesses lugares estratégicos). Por fim, a mensagem deve ser repetida exaustivamente!
A facilidade de acesso à ajuda é essencial para prevenir esse crime. É difícil para a vítima procurar assistência? Qual a credibilidade dos profissionais que a oferecem? Qual a qualidade dessa ajuda? Policiais beneficiam-se, intrinsecamente, de um dos princípios mais poderosos identificados pelos cientistas sociais: o poder de serem autoridades legítimas. Uma série de experimentos assombrosos conduzidos na década de 1950 nos EUA (e, dentro do limite da ética, replicados recentemente) mostraram o quanto as pessoas parecem suscetíveis à influência das autoridades. Estudos recentes também colocaram sob um microscópio o quanto vestir um uniforme aumenta o poder de convencimento de um indivíduo. Finalmente, demonstrar capacidade e profissionalismo ao lidar com a vítima contribui para fortalecer a imagem de autoridade.
Um outro princípio fundamental da psicologia social deve ser considerado na luta contra esse crime. Para aumentar ainda mais a credibilidade dos policiais, podemos usar a nosso favor uma das principais táticas que os próprios traficantes empregam para abordar e recrutar suas vítimas: a empatia. Guarde na memória que, em muitos casos, as ameaças vêm apenas após a vítima ser atraída para a armadilha através de amabilidade e promessas. Novamente, a psicologia tem ensinamentos formidáveis sobre quais as características que uma pessoa precisa ter para ser mais confiável. A aparência, a forma de se vestir, toques e, principalmente, as palavras, têm um papel de destaque nessa dinâmica. Policiais, assim como vendedores, precisam dominar a ciência da simpatia!A psicologia social revelou-se um aliado impressionante no combate a um número de crimes, como o tráfico de pessoas. Os estudos mostram que o comportamento de procurar ajuda, por parte das vítimas, pode ser incentivado por meio de uma abordagem que envolva comunicar, de maneira crível e convincente, a existência da ajuda. Tornar a assistência acessível, amigável e segura é a etapa seguinte. Combinados, os dois caminhos abrem espaço para que esse crime possa ser finalmente enfrentado de uma perspectiva efetivamente científica.