Eleições 2018, comportamentos desonestos e tomada de decisão

By outubro 23, 2018Uncategorized

Lude Marieta Neves

Doutoranda em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações. Pesquisadora no Influência.

Encontramo-nos agora no segundo turno do processo eleitoral, em que deputados e senadores foram já eleitos, mas continua a disputa pelos cargos de presidente da República e de governadores em todo o país. O contexto fervilha, portanto, com oportunidades de discussão sobre influência social, persuasão, relação entre intenção comportamental e comportamento de fato, desonestidade e tomada de decisão, para minimamente citar alguns fenômenos típicos de psicologia social.

Esses fenômenos são de fácil identificação. Já examinou como os candidatos a cargos eletivos se comportam durante suas campanhas? Já identificou como gesticulam, como usam a voz, como apresentam sua postura corporal, com quem aparecem nas fotos publicitárias? São todas estratégias de persuasão, semelhantes àquelas utilizadas por vendedores, cujo objetivo é convencer você a efetivar a compra, com a diferença de que o candidato quer se vender ou o seu partido político. A psicologia tem uma forte tradição de pesquisas nesse campo de estudo, interessado em explicar os processos cognitivos e comportamentais envolvidos na tomada de decisão, dada a sua evidente utilidade prática (Cialdini, 2016[1]). 

Outro exemplo fácil de ser compreendido são as pesquisas de intenção de voto. Independente das fontes de informações (com diferentes níveis de confiabilidade e viés), o ser humano é curioso socialmente: quer saber o que se passa na cabeça dos outros para poder chegar às suas próprias conclusões. Estamos falando de influência social, ou seja, processos de grupo que influenciam a cognição e o comportamento individual e grupal. Um desses processos de grupo, denominado conformidade, acontece quando o sujeito adere à norma social percebida, mesmo que ela contraste com sua convicções pessoais e até com estímulos objetivos, como mostram os experimentos clássicos de Solomon Asch[2] (Asch, 1951[3]). No delineamento mais conhecido desses estudos, o participante ingênuo tinha que escolher, entre três linhas, aquela que tinha comprimento idêntico à da linha modelo. No entanto, após ouvir a mesma resposta, evidentemente errada, dos colegas no grupo (todos atores), alguns participantes também escolhiam a linha errada, conformando-se à norma do grupo. É essa tendência que leva, por exemplo, o eleitor a decidir por candidatos que aparentem ter mais chances de eleição, com base nas pesquisas que indicam quais são as intenções de voto na população.

Essa lógica nos leva a refletir em seguida sobre a maneira como é realizado o processo decisório, tão ligado a normas sociais, mas também sobre quão desonesta e enganosa pode ser a estratégia de persuasão adotada para influenciar os eleitores. Normalmente, as pessoas estão pouco interessadas em saber como foram feitas as pesquisas: se por telefone ou presencial, no papel ou no tablet, com perguntas abertas ou fechadas e em qual ordem foram apresentadas. Seu interesse maior se concentra nos resultados, nos gráficos estatísticos, nas tendências e previsões ao longo do tempo e, basicamente, no diagnóstico de como pensa a maioria dos eleitores. Até a bolsa de valores e o dólar variam conforme os resultados dessas pesquisas e as propostas econômicas dos candidatos “mais cotados”. Tendo em vista o poder da elaboração e disseminação da informação e da opinião no cenário político, essa estratégia acaba sendo amplamente explorada pelos candidatos e por seus eleitores para influenciar e persuadir as pessoas e grupos.

A psicologia social mostra que para tomar as nossas decisões nós utilizamos dois sistemas de processamento: um que é mais rápido e automático, por usar atalhos mentais; e um que é mais lento e trabalhoso, por usar o raciocínio consciente (Fiske & Taylor, 2008[4]). Didaticamente, em psicologia, separamos esses dois sistemas, mas na prática eles funcionam o tempo todo coligados e se complementam para conduzir o processo de tomada de decisão. Quando, por exemplo, o eleitor quer saber apenas o resultado “bruto” das pesquisas de intenção de voto, observando os gráficos, está usando predominantemente um atalho para tomar uma decisão mais rápida. Quando, por outro lado, o eleitor quer entender como esses resultados foram obtidos, quem coletou os dados e qual a sua fonte, está predominantemente usando o sistema cognitivo consciente.

Essa explicação nos leva a entender como a desonestidade pode ser empregada na campanha eleitoral. Partindo do pressuposto de que os eleitores estão cansados de ter que escolher a partir de um menu amplo e diversificado de candidatos ao cargos executivos e legislativos, os estrategistas enganosos abusam de informações rápidas, resumidas e atrativas, como as fake news (notícias fabricadas para enganar pessoas) e os memes[5] (imagens com texto curto, geralmente empregando humor, difundidas pela internet) para direcionar a decisão política das massas. O problema tem sido considerado tão sério que há quem chame as eleições 2018 de “Eleições dos memes e fake news[6], e não se trata de um fenômeno apenas brasileiro: as eleições presidenciais nos EUA também enfrentaram problema semelhante.

Finalmente, nesse contexto de insegurança política, aliada a um papel importantíssimo e definitivo das redes sociais, é fundamental alertar-se sobre o conteúdo acessado, consumido e compartilhado. Não significa que o sistema automático é melhor ou pior que o sistema consciente. Significa que, utilizados apropriadamente, ambos auxiliam numa tomada de decisão mais segura e confiante. O Facebook, por exemplo, está disponibilizando dicas rápidas para identificar fake news e conter a onda de desinformação no canal. Esse conteúdo, apresentado em formato de check-list, utiliza a estratégia automática para chamar a atenção de seus usuários e provoca a internalização do comportamento desejado. A iniciativa está sendo divulgada na timeline de seus usuários, tendo em vista que apenas o trabalho de agências de checagem de fatos, como o do Portal de Notícias G1, não está sendo suficiente para reduzir o fenômeno. A quantidade de fake news é desproporcionalmente maior que a quantidade de iniciativas tentando desmenti-las. Em termos psicológicos, o papel do (e-)leitor nesse movimento pode ser o de refletir sobre essas provocações e educar sua rede de contatos virtuais para seguir o caminho da honestidade intelectual e disseminação de conteúdo confiável nas redes sociais.

 

Quer saber mais sobre as modalidades de fake news e as iniciativas internacionais para sua contenção? Acesse o vídeo “Fake News e Manipulação”, disponível em: http://www.futuraplay.org/video/fake-news-e-manipulacao/438910/

[1] Cialdini, R. (2017). Pré-suasão: A influência começa antes mesmo da primeira palavra. Rio de Janeiro: Sextante.

[2] https://www.simplypsychology.org/asch-conformity.html

[3] Asch, S. E. (1951). Effects of group pressure upon the modification and distortion of judgment. In H. Guetzkow (ed.). Groups, leadership and men. Pittsburgh, PA: Carnegie Press.

[4] Fiske, S. T., & Taylor, S. E. (2008). Social cognition: From brains to culture (1st ed.). New York: McGraw-Hill.

[5] Meme é um termo criado em 1976 por Richard Dawkins no seu bestseller “O Gene Egoísta” para se referir à menor unidade de memória coletiva, numa analogia à nossa carga genética.

[6] https://www.huffpostbrasil.com/2018/08/02/meme-e-fake-news-como-a-internet-transforma-a-discussao-politica_a_23491045/

 

Leave a Reply