Sula Maria Cavalcante Vieira – sulacvieira@gmail.com
Mestranda em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações, Universidade de Brasília
Ensaio desenvolvido na disciplina Delineamentos de Pesquisa em 2019/2 – Prof. Fabio Iglesias
O que é melhor: método indutivo ou método dedutivo? Essa questão pressupõe uma visão dual de metodologia científica, o que pode gerar discussões não construtivas para o campo da ciência, então melhor posicionando: método indutivo e dedutivo – complementaridade ou contraposição?
O artigo de Edwin Locke “The Case of Inductive Theory Building”, publicado em 2007, tem uma grande base argumentativa sobre o método indutivo ser a melhor alternativa para construção de teorias em ciências sociais, com exemplos de teorias bem sucedidas e sugestões de como conduzir teorias indutivas.
Com abordagem menos dualista, nos capítulos 1 e 2 do livro “Qualitative Inquiry and Research Design: Choosing Among Five Approaches”, John Creswell e Cheryl Poth (2018) descrevem diferentes formas de olhar o mesmo fenômeno de maneira construtiva, abordando variadas perspectivas, teorias e a importância de bases filosóficas. Ambos autores são pesquisadores relevantes em pesquisas que abrangem a metodologia qualitativa e quantitativa (quali-quanti; métodos mistos) e defendem a importância da metodologia indutiva e dedutiva.
Locke (2007) traça uma linha de raciocínio contemplando desde as ideias dos filósofos mais influentes da antiguidade, até a filosofia contemporânea da ciência, separando cientistas representantes de cada método de forma categórica. Alguns dos representantes do método dedutivo: Platão, Immanuel Kant, David Hume, Karl Popper; do método indutivo: Aristóteles, John Locke (não o próprio Edwin Locke) e Francis Bacon.
De maneira geral, o método dedutivo foi caracterizado por invalidar os sentidos e por definir que a construção do conhecimento se dá do contexto geral para o particular – dedução de conhecimentos futuros a partir de identificações resgatadas da própria mente. Já o método indutivo, caracterizado por validar os sentidos, tem o processo de construção partindo de particulares para o geral – observações detalhadas de processos.
Popper, filósofo moderno, afirmava que o método indutivo era inválido e que teorias científicas precisam ser falseáveis. Já Edwin Locke defende que a ciência não evoluiu com o processo de refutação, mas de descobertas positivas. Como exemplo, o progresso científico de Thomas Edison foi de descobrir o material que funcionou como filamento de lâmpadas, não quando encontrou centenas de materiais que não funcionaram, pois esses só foram úteis para saber que poderiam ser ignorados. Outros exemplos de cientistas que construíram saber a partir do método indutivo foram Charles Darwin e Albert Einstein.
Apesar de defender que o método indutivo é a forma válida de construção de conhecimento, Locke ressalta que a ciência se desenvolve por um processo de descoberta contínua e que as teorias podem se atualizar conforme novas descobertas e observações vão sendo feitas, pois os conceitos têm final aberto.
Para embasar ainda mais a defesa de Locke, são dados três exemplos de teorias indutivas bem sucedidas na percepção dele: a teoria cognitiva da depressão de Beck; a teoria sociocognitiva de Bandura; e a teoria de fixação de objetivos de Edwin Locke e Latham. Todas têm aspectos em comum: a centralidade das ideias (do começo até a conclusão final); aplicabilidade; e se desenvolveram durante um longo período de acumulação e integração não contraditória de evidências. Nenhuma avançou pelo método da falseabilidade.
Seguindo o escopo argumentativo, Edwin Locke descreve diretrizes para o desenvolvimento de boas teorias indutivas, visto que, de acordo com ele, as políticas editoriais não estão promovendo a construção produtiva de teorias. Algumas das diretrizes:
- Base em axiomas filosóficos válidos: existência (realidade), identidade (tudo tem uma natureza específica), e consciência.
- Corpo substancial de observações ou dados: variedade de métodos, participantes, tarefas e espaços de tempo.
- Formulação de conceitos válidos: o objetivo de uma definição é amarrar o conceito à realidade e diferenciá-lo de outros conceitos. Conceitos são abertos, modem se alterar/modificar.
- Buscar evidência de causalidade: experimentação, leis matemáticas e métodos estatísticos.
- Integrar conceitos válidos de outras fontes e teorias (quando aplicável): a teoria das metas, por exemplo, incorporou a auto-eficácia da teoria sociocognitiva.
- Integrar a totalidade das descobertas e conceitos em um todo não contraditório: conclusões devem ser consistentes com todo conhecimento.
- Identificar o domínio e as condições de limite da teoria: não existe “teoria de tudo”!
- Processo de construção cuidadoso, meticuloso e gradual.
Para finalizar, Edwin Locke faz observações importantes:
- Ninguém alcança a certeza. As descobertas são feitas a partir de um processo gradual e fazer deduções de premissas arbitrárias não leva a nada.
- O processo de construção de teorias não deve estar atrelado à autoestima. As análises dos fatos podem ser prejudicadas, pois as pessoas podem passar mais tempo tentando defender a própria teoria do que buscando modificações e melhorias.
Após a leitura do texto de Edwin Locke, a visualização de método dedutivo versus método indutivo fica explicitamente polarizada, e essa perspectiva de dualidade se dissipa após a leitura do trabalho de Creswell e Poth, pois integram perspectivas filosóficas com estruturas interpretativas diferentes nos Capítulos 1 e 2.
Apesar da pesquisa qualitativa ser o foco do livro, que tem característica bottom-up (partindo da singularidade dos fenômenos) e, consequentemente, de caráter mais indutivo, a articulação das ideias pode ser aplicada em estudos também quantitativos. Isso fica melhor explicitado a partir das estruturas interpretativas que serão comentadas em breve.
Em conformidade com a proposta do título, os autores inicialmente disponibilizam uma tabela ilustrativa que descreve as fases da pesquisa qualitativa. A segunda fase, melhor contemplada aqui, explicita as suposições filosóficas de quem está fazendo a investigação, trazendo a visão de realidade (ontologia), como se sabe da realidade (epistemologia), o posicionamento/valores adotados (axiologia) e os procedimentos usados no estudo (metodologia).
Normalmente essas suposições são aplicadas na pesquisa por meio de paradigmas (conjunto básico de crenças que geram ação) e teorias (encontradas na literatura), teorias e paradigmas são chamados de estruturas interpretativas. Os participantes desses projetos costumam representar grupos marginalizados e invisibilizados de gênero, raça, classe, religião, sexualidade e localização geográfica. As estruturas interpretativas abordadas são: pós-positivismo, construcionismo social, pós-modernas, pragmatismo, teorias feministas, teoria crítica e teoria crítica racial, teoria queer, e teoria das incapacidades.
A perspectiva pós-positivista é lógica, empírica e parte de uma orientação de causa e efeito, enquanto a perspectiva pragmática parte do princípio de “valor de uso”, de resultados. O construcionismo social contempla a subjetividade e propõe debruçamento sobre a visão de mundo dos participantes, e as perspectivas pós-modernas focam em críticas na mudança de pensar. Todas as teorias citadas pelos autores (feministas, crítica, crítica racial, queer e das incapacidades), partem da perspectiva de redução de desigualdades e empoderamento de grupos socialmente discriminados.
Quando se fala em maior integração entre diferentes perspectivas, diminuindo a suposição de dualismo, pode-se pensar como exemplo que teorias feministas, surgidas de maneira dita indutiva, podem ser estudadas de forma empírica em métodos também quantitativos. Pesquisas que adotam o princípio de falseabilidade de Popper podem ter propostas pragmáticas e hipóteses pautadas nas diferentes teorias aqui abordadas.
Enfim, como proposta de reflexão: você tem sido mais integrativo/a ou mais dualista na construção das suas ideias e projetos?
Referências
Creswell, J.W., & Poth, C.N. (2018). Qualitative inquiry & research design: Choosing among five approaches. Thousand Oaks: Sage.
Locke, E. A. (2007). The case for inductive theory building. Journal of Management, 33(6), 867-890.