Martina Mazzoleni – mzl.martina@gmail.com
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações
Ensaio desenvolvido na disciplina Delineamentos de Pesquisa em 2019/2 – Prof. Fabio Iglesias
Compreender a relação de reciprocidade entre análises estatísticas e delineamento de pesquisa é fundamental para alcançar resultados confiáveis de pesquisa. A respeito desses dois fatores, Savla e Loewenstein (2016) apontam o delineamento como o mais importante. Isso porque este é capaz de definir a forma como os dados serão analisados, ao passo que as análises estatísticas são insuficientes para compensar um mau planejamento de pesquisa. Portanto, os autores discutem questões-chaves a serem consideradas na elaboração de um delineamento de pesquisa satisfatório. A primeira clareza que o pesquisador deve ter, diz respeito às perguntas e hipóteses de pesquisa, considerando quais as contribuições destas para a literatura científica. Também é essencial a definição e distinção das variáveis dependentes e independentes, a partir da natureza da pergunta de pesquisa e de como a literatura aponta a relação das variáveis escolhidas. Também é preciso optar pelo uso de medidas válidas e fidedignas da variável dependente, ou seja, medidas que sejam confiáveis e consistentes, visando o aumento da validade interna. Infelizmente, muitas vezes a escolha da medida é baseada em fatores pouco científicos, como por exemplo, o nome da escala ou sua popularidade, levando ao uso de medidas inadequadas aos objetivos da pesquisa.
Para utilizar medidas válidas é importante considerar as evidências de validade de construto obtidas a partir da utilização de um instrumento de medida. Considerando a crise se replicação sofrida pela psicologia, práticas metodológicas e estatísticas utilizadas nas pesquisas da área se tornaram novos objetos de pesquisa nos últimos anos. No entanto, a confiabilidade das mensurações não ganhou destaque nessa agenda de pesquisa. Esta crítica foi realizada por Flake, Pek e Hehman (2017), uma vez que grande parte dos objetos da psicologia são construtos latentes e, portanto, necessitam de instrumentos para acessá-los. Dessa forma, para os autores, uma atenção especial deve ser atribuída à validação de construto – processo que reune evidências para apoiar o significado de um resultado quantitativo obtido a partir do uso de um instrumento de medida. É importante ter em mente que se o número não refletir adequadamente o construto que se pretende mensurar, também não será possível confiar nos resultados obtidos. Portanto, a validade de construto é um tópico importante, que deve ganhar mais atenção, considerando o atual cenário da psicologia.
Flake, Pek e Hehman (2017) questionam em que medida os pesquisadores estão utilizando uma metodologia rigorosa para validação de construtos. Objetivando encontrar respostas para esta questão, realizaram uma revisão de uma amostra aleatória de 30% dos artigos publicados no Journal of Personality and Social Psychology no ano de 2014.
Os resultados encontrados são preocupantes, uma vez que denunciaram o pouco rigor empregado em relação ao relato das informações psicométricas. Em especial, foi identificado que com relativa frequência não eram relatadas quaisquer informações psicométricas sobre novas escalas desenvolvidas nos estudos revisados. Além disso, parte das pesquisas que utilizaram escalas pré-existentes, realizaram alterações nestas escalas, mas não indicaram novas evidências de validade. Diante desse cenário, os autores chamaram a atenção para a necessidade de um processo contínuo de validação dos instrumentos de medida de construtos psicológicos, uma vez que não é possível assumir que os resultados de estudos anteriores se estendem para os demais. Dessa forma, deve-se buscar evidência de validade a cada novo contexto ou população em que o instrumento for utilizado. Os instrumentos de medida possuem uma “sensibilidade contextual” que podem influenciá-los.
Outro resultado de pesquisa que chama atenção é o fato parte das pesquisas terem utilizado escalas com apenas um item, apesar de tradicionalmente não se recomendar o uso de escalas com uma quantidade muito pequena de itens. Os autores reforçam a necessidade de haver fortes evidências que respaldem tal escolha e indiquem a capacidade dos itens da escala de abarcarem a amplitude do construto a qual se propõem mensurar.
Como se pode concluir, muitos construtos carecem de validação apropriada, o que pode levar a resultados duvidosos do estudo e, por sua vez, dificuldades de replicação. Se você não quer que isso aconteça com a sua pesquisa, uma dica é seguir algumas das recomendações tecidas por Flake, Pek e Hehman (2017):
- Identificar a validade da medida como um pré-requisito para interpretar os resultados de uma pesquisa;
- Incorporar a validação contínua da medida, bem como o seu relato;
- Considerar a representação e a relevância do construto ao escolher os itens do instrumento que se propõe a medi-lo.
Além disso, podem ser encontradas mais recomendações em The Standards of Educational and Psychological Testing (2014) para a realização de uma validação adequada dos construtos psicológicos. Tais recomendações foram categorizadas em três fases (substantiva, estrutal e externa), conforme proposto por Loevinger (1957). A fase substantiva compreende os fundamentos teóricos de uma medida, identificando as dimensões que compõe um construto. Na fase estrutural, examina-se as propriedades psicométricas da medida. Por fim, na fase externa, são coletadas evidências da relação do construto investigado com os demais.
Referências
Flake, J. K., Pek, J., & Hehman, E. (2017). Construct validation in social and personality research: Current practice and recommendations. Social Psychological and Personality Science, 8(4), 370-378.
Loevinger, J. (1957). Objective tests as instruments of psychological theory. Psychological Reports, 3, 635–694.
Savla, J., & Loewenstein, D. L. (2015). Statistics is not a substitute for solid experimental methodology and design. In L. Gitlin & S. Czaja (Eds.), Behavioral intervention research: Designing, evaluating, and implementing (pp. 303-316). New York: Springer.