O que é má conduta científica?

By novembro 21, 2019Uncategorized

Sula Maria Cavalcante Vieira – sulacvieira@gmail.com

Mestranda em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações, Universidade de Brasília

Ensaio desenvolvido na disciplina Delineamentos de Pesquisa em 2019/2 – Prof. Fabio Iglesias

 

Klaus Fiedler (2011) e Charles Gross (2016), abordam em diferentes artigos o que caracteriza a má conduta científica e apresentam medidas para redução desse problema acerca da produção acadêmica.

Fiedler (2011), com o trabalho intitulado de “Voodoo correlations are everywhere – not only in neuroscience”, traz uma série de vieses que podem provocar resultados exacerbados no contexto do saber científico, não só na neurociência, que se tornou uma área visada e com muitas produções de resultados duvidosos. “Voodoo Correlations” é uma ironia sobre correlações tão grandiosas que parecem até supersticiosas.

Resultados não são acessados integralmente e integramente quando se escolhe a amostra de pesquisa de forma não independente dos resultados de pesquisa, quando se manipula a forma de dar comandos aos participantes (estimulando respostas esperadas), quando itens são excluídos de questionários no momento das análises, e quando a divulgação de resultados dependem de influências de financiamento.

As distorções acima são alguns dos exemplos que ilustram condutas de alguns “cientistas”. Fiedler (2011), argumenta que as estruturas de reforço no meio científico podem ser motivadores para estudiosos/as tomarem decisões “infladoras” de resultados. Grandes efeitos são procurados por jornalistas, estudantes e políticos, e pesquisadores que encontram grandes efeitos são vistos, lembrados e se tornam renomados. O autor ressalta a importância da transparência com relação a restrições e limitações do estudo de alguns fenômenos, e relembra que informações claras contribuem sim com a ciência, mesmo que sem efeitos correlacionais impressionantes, pois ajudam na construção de teorias e registram condutas e ideias que já foram colocadas em prática.

Em 2016, Charles Gross publicou um trabalho intitulado de “Scientific Misconduct”, a convite da renomada Annual Review of Psychology, onde abordou em detalhes a história da má conduta científica e o engajamento do governo norte-americano com medidas para resolução dessa problemática, trazendo exemplos de situações antiéticas memoráveis a partir dos anos 1980, que foram motivadoras para esse envolvimento.

De acordo com o Instituto Nacional de Saúde e com a Fundação Nacional de Ciência (ambos norte-americanos) a definição de má conduta é falsificaçãomanipulação de materiais, equipamentos ou processos, ou alteração de dados/resultados, fabricaçãoinventar dados e resultados, e plágiocopiar ideias, processos, resultados e falas de outras pessoas sem dar crédito. Ressaltando que má conduta científica não inclui erros e diferenças de opinião, e nem outros tipos de ofensas (uso indevido de fundos, abusos e discriminação).

Alguns dos casos que motivaram o envolvimento governamental: John Long – pesquisador que teve avanços falsos nos estudos sobre linfoma de Hodkin (usou linhas de tecido de macacos como se fossem humanas), Vijay Soman – professor assistente da Universidade de Yale, que roubou dados de uma pesquisa inteira de Helena Rodbard sobre anorexia nervosa. Até o momento, não há evidências de características em comum entre pessoas que agem de maneira antiética no mundo científico. São de áreas distintas, em distintas instituições e níveis de ocupação. Há um estereótipo de que são pessoas que publicam em locais visados.

A partir de acontecimentos como os citados acima, houve a movimentação de diferentes institutos de pesquisa para investigar se esses casos eram esporádicos na ciência ou se seriam só a ponta do iceberg (preocupação do senador Al Gore). Em uma das pesquisas amplas e pioneiras para investigar a incidência de má conduta científica, Judith Swazey encontrou dados preocupantes entre 99 universidades dos EUA: 44% dos estudantes e 50% do corpo docente tinha conhecimento de 2 ou mais tipos de má conduta, aproximadamente 10% observou ou teve envolvimento direto em fabricação de dados. A Sociedade Internacional de Bioestatística Clínica, com pesquisa também anônima entre os membros, compartilhou que 51% dos entrevistados sabiam de pelo menos um projeto fraudulento nos últimos 10 anos.

A retração de artigos publicados foi uma das medidas tomadas a partir do cenário encontrado. Pesquisadores publicamente retraem artigos que foram analisados erroneamente, ou trabalhos que foram construídos a partir de algum tipo de má conduta. Dados interessantes sobre retrações foram compartilhados por Fang et al, em 2012: de 2047 retrações de artigos biomédicos, 23% foram devido a erros e 67% foram devido a algum tipo de má conduta, sendo a maioria por fraude ou suspeita de fraude (43%). Outro dado que é interessante é que artigos retraídos continuam sendo citados pelos próprios autores (18%), e apenas 5% mencionam que foi um trabalho que teve retração.

A pesquisa também apontou dados com relação a países com maiores casos de fraudes (EUA, Japão, Alemanha e China), mas essa análise pode ser questionada porque quando se pensa no Brasil, por exemplo, sabemos que não há políticas, incentivos e pesquisas que tratam a má conduta científica, o que impossibilita saber de números reais com relação a índices dessa prática. Quantos outros países são impedidos de entrar nesse ranking por não terem dados sobre má conduta também?

Atualmente, blogs têm um papel importante na promoção de uma conduta ética no mundo científico. Já são encontradas várias páginas destinadas a lidar com possíveis situações de má conduta, expondo retrações, explicações e denúncias (todos internacionais, até o momento não foi encontrado nenhum com objetivo a enfraquecer a má conduta científica no Brasil).

Diferentemente dos EUA, no Brasil também não existe incentivo a comitê de investigação de má conduta em grandes instituições, como passou a ser cobrado das grandes instituições de pesquisa dos EUA.

Outras políticas comuns estadunidenses, são o estímulo a denúncias e cursos de conduta responsável de pesquisa desde os primeiros anos na universidade. Pré registro de dados e propostas de pesquisa também podem beneficiar quem conduz pesquisas de forma ética e beneficiar o conhecimento científico de modo geral.

Gross, assim como Fiedler, ressalta as estruturas de reforço que podem motivar pesquisadores a agirem de maneira desvirtuosa, como a quantidade de publicações ser um critério para benefícios (prêmios, nomeações). Visando não contribuir com essa estrutura, algumas instituições importantes já começaram a analisar menos trabalhos de forma criteriosa em vez de observar a quantidade de trabalhos já publicados por candidatos.

Enfim, fica claro e bem exemplificado que a má conduta científica permeia a construção de ciência no mundo. Temos aqui vieses de má conduta científica a partir de análises de um estadunidense e de um alemão. O que precisa ser feito para termos políticas de prevenção a má conduta científica no Brasil?

Referências

Fiedler, K. (2011). Voodoo correlations are everywhere: Not only in neuroscience. Perspectives on Psychological Science, 6, 163-171.

Gross, C. (2016). Scientific misconduct. Annual Review of Psychology , 67 , 693-711.

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